domingo, 19 de julho de 2015

A sombra, o gato




vejo atrás dos vidros
no jardim o gato
siamês que passa
entre os girassóis
na mesa da sala
há mais girassóis
num pote azul
de faiança,
às cinco da tarde
a janela,
a porta,
estão fechadas, mas
agora o gato
vai passar na penumbra,
entre os girassóis
e a parede.
é uma sombra
rapidamente
imaginada
sobre a mesa,
que fita em ponto,
de olhos límpidos,
e percebe o jogo
de espaços e que
já regressou ágil
de salto felino
ao corpo do gato
repentino lá fora.

Vasco Graça Moura

Leitura do gato





O gato
nunca é o gato
mas a ausência
domesticada
vê-se bem
felinamente
que de abstrato
só tem o dono
seu fruto/furto
maduro ou podre
é o salto
que interna-se
no próprio gato

  André Ricardo Aguiar

Gato







Sob as estrelas
o gato é místico.
Passeia na noite
sobre os telhados de vidro
com suas patas silenciosas
como se tivesse planos e segredos
no percurso das suas sete vidas.
O gato vagueia nos telhados
                        e no meu coração,
pousa leve em cada passo
                       como pássaro
conspirador
misterioso
salta por cima dos que dormem
                       e não sonham comigo.
 
  Nirton Venâncio

Gatas







Pelo cinza, pelo preto
pelo seda, pelo duro
pelo longo, pelo    curto
                             cortado
                             raspado
Peles e pelos
na almofada, no tapete
no canto, na cama
                             ronronam
                             respiram
                             aspiram
                             suspiram
                              
       e sobem
                              
       e o monte
                              
       penetram
                             felinos
                             felizes
  

  Mauro Salles

A gata






O gato é todo magnético.
A própria estrutura do gato é magnética.
A maciez de seus músculos, o distender de seu corpo,
Alongando-se dentro do próprio magnetismo,
O seu repousar sem tocar o lugar onde se distende
Com o peso sem volume material, todo ele sustentado
Num suspiro de sonho;
No entanto,
Esse volume de suavidade
Aterrorisa o misterio da suposta escuridão,
Que a ausencia de olhos
Confunde a Terra
Por não poder enxergar na sua dimensão .
E no passado que é eternamente futuro,
Os sacerdotes do Antigo Egito,
Traziam num andor de prata,
A imagem bela-terrífica
De Bastet
A deusa Gata
Felinidade, é uma palavra dos mistérios
Da criação
É a agressão-doce das garras que se distendem
E seguram
Deixando à imaginação mais um dos mistérios
De Deus
Que também distendendo seu corpo para onde
Não existe,
O retém em lugar nenhum;
Essa imagem incorporea com
Cheiro de gato
E o calor doce de sua pequena boca... 

   Clarisse de Oliveira





Dos gatos
tenho
o amor
e o humor

Cathia de Almeida

O ronron do gatinho





O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pêlo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.
Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.
É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso faz ronron
para mostrar gratidão.
No passado se dizia
que esse ronron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.
Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ronron em seu peito
não é doença - é carinho.

  Ferreira Gullar

O gato






O gato é secreto.
Tece com calma o mistério do mundo.
O gato é elétrico.
Pura energia a percorrer a espinha.
O gato é orgulho.
Sem humildade, jamais se entrega.
O gato é desejo.
Atração pela lua e telhados.
O gato é sagrado.
Olho no olho que brilha.
Um susto.
Parece que vemos Deus.
 
  Donizete Galvão

O gato






— pupilas de ladrão —
imprime no escuro
pegadas de algodão
tangenciando casas
dopadas de sonhar
os bigodes do gato
espetam o luar

o felino
procura mais
do que sardinhas
nas rondas animais:
talvez
respirar os segredos
que a noite oculta
atrás de seus dedos
talvez
o sentido da vida
que move seus gestos
à dúctil saída
 
o gato
e seus rastros
espera amanhecer
para conter os astros

  Claudio Feldman

Luar da madrugada






No pátio
passeia o silêncio
do gato

  Rogel Samuel

Gato







Dois sentidos o protegem:
seus ouvidos de radar,
seus olhos de escuridão.
O mundo é uma passarela
e uma guerra provocada.
Incapaz de cativeiro,
a elegância natural
repele doma e domínio.
Preceitos: a liberdade
e um amor insubornável.
Com sete vidas o gato
confirma a ressurreição.
Cada vez que morre,o gato
vira tigre, mais selvagem.

  Izacyl Guimarães Ferreira






o rabo do gato desenha
letras árabes no mosaico da sala.
arranha o tapete de arraiolos,
rasga o jornal de letras
e um verso escapa-se pela janela entreaberta
uma pétala de violeta
              é o tempo das violetas
fugiu para a janela da vizinha
um andar abaixo.
talvez atraída pelo cisne de camille saint säens
no carnival des animaux
o gato enfurece-se com o silvo do vento
e quase me estraga o poema.
             vale o método tradicional
um novelo de linha encanta o gato.
alguém pousa os lábios nos meus olhos.

José Félix






falta-me um gato
para fazer festas às palavras.
algumas chegam entre mãos
na carícia breve da madrugada.
enquanto não parto para ítaca,
viajo, aguardo circe
que me transforme em felino agudo.
depois é só encostar-me às pernas
e fitar-me
eu, nariz aquilino, olhos rasgados em mim
na verticalidade da íris;
lamber os pelos, a pele,
arquear o corpo na languidez do gesto.
ficar à espera que a palavra cresça.

José Félix

O gato e a carta






chegou naquela semana
o gato pressentiu
e desocupou a cama

Judith de Souza

Dono do mundo





O gato s'espreguiça
e o mundo...
pára num aplauso!

Sarita Barros

Gato ao crepúsculo






Poeminha de louvor ao pior inimigo do cão
Gato manso, branco,
Vadia pela casa,
Sensual, silencioso, sem função.
Gato raro, amarelado,
Feroz se o irritam,
Suficiente na caça à alimentação.
Gato preto, pressago,
Surgindo inesperado
Das esquinas da superstição.
Cai o sol sobre o mar.
E nas sombras de mais uma noite,
Enquanto no céu os aviões
Acendem experimentalmente suas luzes verde-vermelho-verde,
Terminam as diferenças raciais.
Da janela da tarde olho os banhistas tardos
Enquanto, junto ao muro do quintal,
Os gatos todos vão ficando pardos.

Millôr Fernandes






num terreno baldio
entre prédios,
um gato observa
sem pressa aparente,
um par de gaiolas vazias.

 Fernando Montalvão









por que eles teimam em ter um horário tão diverso dos nossos?
um dia quebraram o abajur,
todos os meus jarros de flores estão suspensos...
sofá da sala virado ao contrário,
q nem quando as meninas eram pequenas..
os olhos, por aqui, são azuis, alguns quase transparentes;
outros amarelos....
não preciso mais ir à academia...
o corre-corre
atrás dos que fogem
queima as calorias :))))
noites mal dormidas....
(quem nunca subiu em telhado, como hoje, às seis da manhã, pra pegar um gatinho?
aos dois meses ainda não têm muita noção do perigo,
acham que abelha pode ser mosquito :)
ah! gatos, gatos....
quem nunca os teve,
não  os sabe.

Ivy Wyller

Os gatos






O lamento do gato no telhado liberta o tenebroso.
É o tempo das bruxas, de gatos e mau agouro.
O sofrimento do gato é carregado de paixão e dor.
Por que tanto chora o gato ?
Logo ele, que possui sete vidas
para tentar a felicidade.
O gato lamenta e sofre,
 o cão late
e os ratos roem as portas das casas.
Custo a compreender o drama do gato,
mas sofro com ele a agonia dos desesperados.
Me uno a seu lado sombrio
e, à sua semelhança,
solto gritos de lamento
na janela do apartamento.
O gato não demora e morre envenenado.
O cão para de latir
e os ratos fazem a festa
nas prateleiras dos supermercados.
Eu, tal qual o gato, continuo gritando pela vida
um grito suicida,
apaixonado, apaixonado, apaixonado.

Ricardo França

O gato tranqüilo






Ei-lo, quieto, a cismar, como em grave sigilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos,
onça que não cresceu, hoje é um gato tranquilo.
A sua vida é um "manso lago", sem escolhos...
Não ama a lua, nem telhado a velho estilo.
De uma rica almofada entre os suaves refolhos,
prefere ronronar, em gracioso cochilo,
vendo tudo através a cor verde dos olhos.
Poderia ser mau, fosforescente espanto,
pequenino terror dos pássaros; no entanto,
se fez um professor de silêncio e virtude.
Gato que sonha assim, se algum dia o entenderdes,
vereis quanto é feliz uma alma que se ilude,
e olha a vida através a cor de uns olhos verdes.

 Cassiano Ricardo

O gato e o verso






Eu escrevo
ele descreve
piruetas,
carvão e neve
E quando encontro a rima
Lá vem o danado
em cima do meu teclado
Insistiu tanto o bichano
que conseguiu o que queria:
ser minha própria poesia!

   Luiza Aparecida Mendo

Retrato de Eliana






geometria da vértebra
a pele, camurça visível à noite,
matizes de ébano e marfim,
ondula sobre o muro.
curvilínea no dorso
a felina — estátua multiforme
cuja cauda são
esculturas de Tomie Ohtake —
ostenta farol de topázios que,
atentos ao evaporar da noite,
move-se como respiração de monges

  Paulo Andrade

Quando passa...






Quando passa em estado de graça
tendo na boca o pássaro
o gato ME IMPACTA.Só me salva a lembrança do pacto
: Deus ao criar sua raça
disse VAI E CAÇA.

  Kátia Bento

O gato





O Gato, em si, o gato é
no espaço em que se vê
o gato que habita o gato
emoldurado pelos olhos
que decifram a forma gato
no gato objeto do poema;
o gato humano no beiral
da cama onde o gato é.
Ser gato é forma definida
ao gato, então perplexo, que, reflexos
de outros gatos, demonstra gatos
ao entendimento curioso
do gato ser.
Somos gatos ao gato é
assim como o gato não sabe
que é gato e por não ser gato
ao espaço dos meus olhos
que os vê no gato do poema
é concepção de forma
sem estrutura humana
ao beiral da cama
onde o gato é.

  Flávio Rubens

Teu nome é gato...






Tens na noite teu abrigo
No perigo, teu amigo
Liberdade é música que fica
onde passa fazendo graça.
De repente só vc sente
sons que pairam no ar...
e devagar ...
seus olhos buscam o que eu
não posso ver... só crer...
Quando cansas da noite lá fora
voltas teus passos em meus abraços
Agora...
derrama  teu carinho
e faz de minha cama teu ninho...
conforto, de fato
teu nome 

  Cida Souza

Nos olhos





Nos olhos de meu gato
Há imagens que esperam...
Há sonhos que não desvendo,
Amores que não entendo,
Encantos tantos,
Quantos!
Nos olhos de meu gato
Tem mistério que não tem fim,
Tem solidão,
Agonia, poesia,
Tristeza enfim...
Nos olhos de meu gato
O sonho se separa,
A fantasia grita,
A vida se agita,
O mundo pára...
Nos olhos de meu gato
Eu vi...
Só eu vi...
Nos olhos de meu gato...

 Cida Sousa

Intuição





 Ter nas pessoas
   a confiança dos gatos,
   que fecham os olhos
   e esticam o pescoço,
   na certeza do 

Leila Míccolis

Gato







Sob as estrelas
o gato é místico.
Passeia na noite
sobre os telhados de vidro
com suas patas silenciosas
como se tivesse planos e segredos
no percurso das suas sete vidas.
O gato vagueia nos telhados
e no meu coração,
pousa leve em cada passo
como pássaro
conspirador
misterioso
salta por cima dos que dormem
e não sonham 

   Nirton Venâncio

Miau






Os felinos
docemente me perseguem
desde a infância.
De todas as cores
variedade de pelos
invariavelmente
vira-latas.
Sagrados
no Egito
em minha casa ocupam
  altares profanos.
Principalmente a cama.

   Ricardo Mainieri





“O gato não oferece serviços. O gato se oferece. “
William Burroughs

A um gato






Não são mais silenciosos os espelhos
Nem mais furtiva a aurora aventureira;
Tu és, sob a lua, essa pantera
que divisam ao longe nossos olhos.
Por obra indecifrável de um decreto
Divino, buscamos-te inutilmente;
Mais remoto que o Ganges e o poente,
É tua a solidão, teu o segredo.
O teu dorso condescende à morosa
Carícia da minha mão. Sem um ruído
Da eternidade que ora é olvido.
Aceitaste o amor desta mão receosa.
Em outro tempo estás. Tu és o dono
de um espaço cerrado como um sonho.

Jorge Luis Borges